Sobre Curso de Composição de Braga
O Curso Complementar de Composição foi criado pela Portaria n.º 1196/1993 de 13 de novembro. Na sua configuração inicial existiam as disciplinas de Composição, Laboratório de Composição e Leitura de Partituras, para além das disciplinas do tronco comum aos restantes cursos, incluindo também uma forte componente performativa. Os alunos podiam inscrever-se na disciplina de Instrumento e prosseguir estudos até ao 8º grau, bem como frequentar a disciplina de Coro ou Orquestra, consoante o seu instrumento.
Desde 1994, existia no Conservatório a disciplina de Introdução às Técnicas de Composição, que vinha possibilitando o contacto com a criatividade composicional, particularmente a técnica de escrita de vários estilos, as noções básicas de estilo musical, a audição e leitura de obras, os primeiros passos da análise musical, e, acima de tudo, o cultivar de um gosto diferenciado e de alto nível, no que à música diz respeito. Assim, esta disciplina é determinante no despertar para a composição dos alunos do 3º Ciclo do Ensino Básico, cuja continuidade veio a ser materializada com a implementação do Curso Complementar de Composição no ano letivo de 2000/2001. Neste ano iniciou efetivamente o primeiro curso de composição de nível secundário em Portugal com um grupo de três alunos: Ana Seara, Osvaldo Fernandes e Sara Claro.
Quando Ana Seara escreveu sobre o surgimento do Curso de Composição em 2000, referindo-se ao início de um sonho “com posto", talvez estivesse longe de imaginar o sentido que esta expressão viria a ter vinte anos depois. “O curso mais recente e irreverente” do Conservatório de Braga (Seara, 2003) começava, nessa altura, a apresentar as obras dos primeiros alunos em concerto, dando início a algo inédito no Conservatório. A criação de um espaço físico designado Laboratório de Composição, com os seus computadores, sintetizadores, mesa de mistura e restantes equipamentos, configurava-se como o lado mais visível da entrada em funcionamento do Curso de Composição. Nos primeiros anos foi um espaço itinerante, mudando várias vezes de sala. O Laboratório de Composição só se fixou na atual sala M6 há cerca de 10 anos.
Os programas das disciplinas específicas do curso (Composição, Laboratório de Composição e Leitura de Partituras) foram elaborados por professores do Conservatório e submetidos a aprovação ministerial, o que ocorreu em 2000, já depois da entrada em funcionamento do curso.
O trabalho realizado na disciplina de Composição compreendia a composição de obras para as mais variadas formações, desde obras para instrumentos a solo, grupos de câmara, pequenas orquestras, acompanhada do estudo exaustivo dos naipes e de cada um dos seus instrumentos, começando pelas madeiras e cordas, avançando depois para os metais, percussão, harpa, entre outros. Os alunos trabalharam novas ferramentas da análise musical, como a teoria das classes de alturas, ouviram obras de compositores do século XX e XXI das mais variadas estéticas, realizaram exercícios de orquestração, entre outras atividades.
Em Laboratório de Composição promoveu-se um espaço criador onde os alunos podiam desenvolver as suas potencialidades criativas nos domínios das novas tecnologias. Os alunos deveriam ao longo dos três anos letivos da disciplina dominar determinadas práticas e conceitos, como a escrita das obras musicais em editores de partituras, a exploração tímbrica utilizando fontes sonoras não convencionais, o estudo e desenvolvimento de conceitos musicais ligados às novas tecnologias, a criação de composições originais para meios eletroacústicos, os processos de gravação e consequente manipulação áudio e a realização de trabalhos com aplicações MIDI, áudio e sample.
Na disciplina de Leitura de Partituras os alunos estudaram técnicas de leitura e redução ao piano, desenvolvendo a destreza de leitura em claves antigas, instrumentos transpositores e partes de orquestra. O trabalho realizado nesta disciplina contribuía assim para o aperfeiçoamento de mais competências vitais para um futuro compositor.
Em 2012, a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 139/2012 de 5 de julho e a Portaria n.º 243-B/2012 de 13 de agosto alterou os moldes iniciais do Curso de Composição suprimindo as disciplinas de Laboratório de Composição, Leitura de Partituras, 1º Instrumento, Orquestra, entre outras. A extinção da disciplina de Laboratório de Composição tornou clara a desvalorização da música eletroacústica, que perdendo o seu espaço próprio e parte da sua carga horária, passou a ser uma componente associada à disciplina de Composição.
Relativamente à disciplina de Introdução às Técnicas de Composição a Portaria nº 691/2009 de 25 de junho havia já extinguido esta disciplina. As consequências desta supressão fizeram-se sentir no ano letivo seguinte uma vez que não houve alunos inscritos no Curso de Composição. A solução que o Conservatório encontrou para esta lacuna foi a reintrodução da disciplina como Oferta Complementar no 3º Ciclo.
Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
(Alberto Caeiro)
Um dos lados mais visíveis da produção artística do Curso de Composição tem sido a organização do concerto final de cada ano letivo. Com a orientação dos professores, os alunos realizam concertos e audições com as suas obras eletrónicas e acústicas interpretadas por alunos e professores de instrumento. Foram realizados alguns workshops com compositores convidados no âmbito da improvisação coletiva, música espectral e software musical. A Classe de Composição participou ainda em várias atividades de âmbito escolar e artístico, entre as quais se destacam a composição de música para um documentário, a elaboração de música para teatro, a participação no IV Fórum Internacional para Jovens Compositores do Sond’Ar-te Electric Ensemble e a estreia de uma obra de um aluno no XIII Festival Síntese.
Analisando a produção artística desde o nascimento do curso até 2019, verifica-se que a instrumentação mais comum centra-se na produção para instrumento solo, o que é motivado pela sequenciação da aprendizagem que releva o domínio da escrita instrumental por naipes. Encontram-se igualmente muitos exemplos de obras para duos, trios, entre outras formações de câmara. É de destacar também a forte prevalência de obras para eletrónica sobre suporte, embora tenham existido outras experiências com instrumentos acústicos e outras interações artísticas.
Estas obras foram escritas por quarenta e dois alunos, de entre os cinquenta e quatro que frequentaram o Curso de Composição entre 2000 e 2019. Destes alunos, trinta e seis concluíram o Curso de Composição e catorze optaram pela mudança de curso na fase inicial deste percurso, na maior parte das vezes motivados por outras áreas de estudo, nomeadamente o Curso de Instrumento. Atualmente, estão matriculados sete alunos, distribuídos pelos três anos do Curso, dois em regime integrado e cinco em regime supletivo. Vinte e um alunos prosseguiram estudos superiores na área da Composição.
No decurso dos últimos anos, o perfil dos candidatos ao Curso Superior de Composição alterou-se. Por um lado, há estudantes mais novos a concorrer que escolhem o curso como primeira opção, por outro lado, embora o percurso escolar continue a ser muito diversificado, muitos candidatos apresentam uma preparação mais sólida. A este facto não é alheia a criação do Curso de Composição de nível secundário no Conservatório de Música Calouste Gulbenkian. De facto, os alunos provenientes deste curso têm vindo a ingressar, ano após ano, no ensino superior com uma preparação acima da média, não só pelo conhecimento aprofundado das linguagens do século XX e XXI, como também pelo portefólio composicional que apresentam no momento da candidatura. O contexto único em que este curso é ministrado permite observar um conjunto de factos concretos que sustentam esta ideia. A grande missão do Conservatório tem sido a manutenção e motivação de uma série de gerações para o prosseguimento de estudos na área da Composição.
Em 2000, o Conservatório de Música Calouste Gulbenkian apostou na singularidade do seu Projeto Educativo ao criar um curso pioneiro no país e até há bem pouco tempo, o único do género em funcionamento. Ao longo destes 20 anos, cinquenta e sete alunos passaram já por este curso, muitos dos quais prosseguiram os seus estudos superiores em Portugal e no estrangeiro, sendo que alguns deles se têm vindo a afirmar no panorama da composição nacional. Fala-se já de uma Escola de Braga, a qual lançou compositores como Ana Seara, Pedro Lima, Francisco Fontes, Osvaldo Fernandes, Sofia Sousa Rocha, entre outros. Muitos destes ex-alunos têm tido encomendas das mais destacadas entidades tais como: Prémio Jovens Músicos/Antena 2, Casa da Música, Teatro Nacional de São Carlos, Fundação Calouste Gulbenkian, entre outros. Salienta-se a atribuição do Prémio Sociedade Portuguesa de Autores/Antena 2 obtido por Pedro Lima em 2017 e Francisco Fontes em 2019.
Há 20 anos projetava-se um Curso de Composição que ambicionava, não só uma sólida preparação técnica e artística de nível secundário, mas também pretendia abrir novos caminhos a novos compositores em Portugal. Decorrido este tempo, e como dizia a Alberto Caeiro, percorreu-se caminho, mas há ainda algo a fazer depois da curva da estrada.
(texto escrito para o Livro da Edição comemorativa dos 20 anos do Curso de Composição em 2020)